No primeiro dia não tirei o sorriso do rosto.
No segundo dia tomei banho de piscina e li a Folha deitada no sol.
No terceiro dia saí - e então percebi que São Paulo e eu não nos conhecemos mais.
No quarto dia vi de perto a alegria e o calor humano que vim buscar.
No quinto fui ao Itaú Cultural.
No sexto reuni amigos.
Descansei todos os dias.
Percebi minhas inglesisses e brasileirisses.
Testemunhei a supremacia dos carros.
Não vi nenhuma criança de rua.
Comi açaí na tigela, mamão, pão de queijo, biscoito de polvilho, requeijão, queijo branco, pão na chapa, água de coco, brigadeiro, pão doce, churrasco e purê de mandioqinha.
No sétimo dia parti.
Mas levo São Paulo comigo pra poder voltar.
Digo, pra poder morar. Lá.
E Flávia e Ricardo: much obliged.
23 December 2009
14 December 2009
08 December 2009
Zygmunt Bauman x Jerry Bruckheimer
Ontem fui trabalhar em Londres. Na estação de Brighton comprei chá, o jornal, água, a The Economist. Deveria assinar. E também a Intelligent Life – que acabei de descobrir que existe. Parece interessante. Julian Barnes escreve pra eles. Adoro quando ele escreve histórias curtas para o Guardian. Nunca li um livro dele...
Deveria ler mais. Me faz feliz. Requer disciplina. É como exercício. Nunca há tempo. Tem que fazer - o tempo.
Sempre tenho tempo para televisão. Geralmente filmes (tenho orgulho da minha aversão a factual tv). As vezes documentários. As vezes CSI.
Hoje acordei atrasada. Acordo atrasada todos os dias - corro pra cima e pra baixo pra aprontar a Lea para a escola. Então a levo para a escola. Volto pra casa e subo para o escritório.
Hoje o dia passou por mim – trabalhar em casa é geralmente sinônimo de tentativa. Raramente de sucesso.
Hora de fazer o jantar e mandar a Lea para a banheira. Depois arrancá-la da banheira. Colocar ela pra dormir. Nessa hora a escolha é sempre um livro.
Vou para a minha cama. Posso ler Bauman (o preferido do momento) ou assistir televisão. Preciso costurar uma meia-calça da madame, responder um e-mail do meu supervisor e listar alguma coisa. A TV ganhou. Ficou tarde. Amanhã leio.
Deveria ler mais. Me faz feliz. Requer disciplina. É como exercício. Nunca há tempo. Tem que fazer - o tempo.
Sempre tenho tempo para televisão. Geralmente filmes (tenho orgulho da minha aversão a factual tv). As vezes documentários. As vezes CSI.
Hoje acordei atrasada. Acordo atrasada todos os dias - corro pra cima e pra baixo pra aprontar a Lea para a escola. Então a levo para a escola. Volto pra casa e subo para o escritório.
Hoje o dia passou por mim – trabalhar em casa é geralmente sinônimo de tentativa. Raramente de sucesso.
Hora de fazer o jantar e mandar a Lea para a banheira. Depois arrancá-la da banheira. Colocar ela pra dormir. Nessa hora a escolha é sempre um livro.
Vou para a minha cama. Posso ler Bauman (o preferido do momento) ou assistir televisão. Preciso costurar uma meia-calça da madame, responder um e-mail do meu supervisor e listar alguma coisa. A TV ganhou. Ficou tarde. Amanhã leio.
01 December 2009
A Raposa e o Pequeno Príncipe
"E foi então que apareceu a raposa:
Bom dia, disse a raposa.
Bom dia, respondeu polidamente o principezinho que se voltou mas não viu nada.
Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
Quem és tu? perguntou o principezinho.
Tu és bem bonita.
Sou uma raposa, disse a raposa.
Vem brincar comigo, propôs o príncipe, estou tão triste...
Eu não posso brincar contigo, disse a raposa.
Não me cativaram ainda.
Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
O que quer dizer cativar ?
Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
Procuro amigos, disse. Que quer dizer cativar?
É uma coisa muito esquecida, disse a raposa.
Significa criar laços...
Criar laços? Exatamente, disse a raposa.
Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás pra mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...
Mas a raposa voltou a sua idéia:
Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco.
Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol.
Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros.
Os outros me fazem entrar debaixo da terra.
O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo?
Eu não como pão. O trigo para mim é inútil.
Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste!
Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
Por favor, cativa-me! disse ela.
Bem quisera, disse o príncipe, mas eu não tenho tempo.
Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa.
Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.
Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a deves esquecer.
Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."
Antoine de Saint-Exupéry
27 November 2009
19 November 2009
15 November 2009
14 November 2009
10 November 2009
09 November 2009
Dim Sum
Há mais ou menos trinta e sete anos que desigualdade e injustiça me atormentam. Já incitei quem por aqui passa a fazer – o que esperamos seja – a sua parte para melhorar o mundo. Nisso também questionei qual é o meio termo, o quanto se pode fazer sendo quem somos – artistas, professores, profissionais da classe média que trabalham duro para pagar as contas e jantar fora de vez em quando.
Ontem fui comer Dim Sum e beber coquetéis em um restaurante bacaninha em Cardiff. Maravilhoso. Hoje de manhã fiquei na cama lendo, enquanto o marido e a filha brincavam na piscina do hotel onde estamos. Maravilhoso. Só que a leitura era a The Economist, então um assunto inevitável é a miséria humana. O líder da Coréia do Norte acusado de alta traição, a área na Coréia do Sul onde setenta por cento da população vive de mingau de milho com capim e a vista grossa do ocidente, preocupado apenas com a desarmamento nuclear naquela região.
De volta: deixar de comer Dim Sum não faz diferença na vida de ninguém exceto a minha. Estou no País de Gales por que meu marido está aqui, a trabalho, por três meses - o vejo esporadicamente. No dia-a-dia tenho uma filha pra ensinar valores e – o que não tenho – disciplina. Além de tentar desesperadamente dar rumo ao meu trabalho e encontrar sentido em tudo isso. Ainda sem saber se fico ou se vou, lógico.
Tem sempre alguém em uma situação pior que a minha. Isso não pode ser medida de contentamento. Não funciona. Quero um carro novo, maior. Quero ir ao Brasil com mais frequência. Quero jantar fora com mais frequência. Deveria poder quereres sem me sentir culpada.
Levo minha vidinha de uma em cinco bilhões (and counting). Não sou diretamente responsável pela exploração de recursos naturais e nem da mão de obra alheia. E então, mais uma vez, a questão: cada um dos mais de cinco bilhões tem que fazer o que lhe cabe para que o mundo não acabe – pelo menos não nas nossas mãos. E para que a injustiça dos homens não se esconda atrás da injustiça dos deuses. E segue em frente que atrás vem gente.
Ontem fui comer Dim Sum e beber coquetéis em um restaurante bacaninha em Cardiff. Maravilhoso. Hoje de manhã fiquei na cama lendo, enquanto o marido e a filha brincavam na piscina do hotel onde estamos. Maravilhoso. Só que a leitura era a The Economist, então um assunto inevitável é a miséria humana. O líder da Coréia do Norte acusado de alta traição, a área na Coréia do Sul onde setenta por cento da população vive de mingau de milho com capim e a vista grossa do ocidente, preocupado apenas com a desarmamento nuclear naquela região.
De volta: deixar de comer Dim Sum não faz diferença na vida de ninguém exceto a minha. Estou no País de Gales por que meu marido está aqui, a trabalho, por três meses - o vejo esporadicamente. No dia-a-dia tenho uma filha pra ensinar valores e – o que não tenho – disciplina. Além de tentar desesperadamente dar rumo ao meu trabalho e encontrar sentido em tudo isso. Ainda sem saber se fico ou se vou, lógico.
Tem sempre alguém em uma situação pior que a minha. Isso não pode ser medida de contentamento. Não funciona. Quero um carro novo, maior. Quero ir ao Brasil com mais frequência. Quero jantar fora com mais frequência. Deveria poder quereres sem me sentir culpada.
Levo minha vidinha de uma em cinco bilhões (and counting). Não sou diretamente responsável pela exploração de recursos naturais e nem da mão de obra alheia. E então, mais uma vez, a questão: cada um dos mais de cinco bilhões tem que fazer o que lhe cabe para que o mundo não acabe – pelo menos não nas nossas mãos. E para que a injustiça dos homens não se esconda atrás da injustiça dos deuses. E segue em frente que atrás vem gente.
03 November 2009
28 October 2009
21 October 2009
Lá e Aqui
Do alto da minha arrogância juvenil(!), mais aqui do que lá, não consigo não dizer: o Lula tem muito crédito. Aqui - de onde acompanho previsões econômicas, análises sociais, G8, G20 e agora a campanha vitoriosa para o Rio 2016 - ele manda muito bem.
Sim, política no Brasil é um assunto dolorido. Corrupção ainda corrompe o dia-a-dia, desnutrição e falta de educação ainda resultam em desespero e violência. Mas o Brasil levou as Olimpíadas por um boa razão. Alguém lá em cima gosta da gente. Não, não o ser-supremo e brasileiro. Os (até agora) todo-poderosos governos europeus e estadunidense (palavrinha horrorosa). Eles querem ser nossos amigos. Tem boas razões (sempre) econômicas pra isso.
No dia-a-dia brasileiro as mudanças são poucas e insignificantes? Mas existem, ouço da boca (virtual) de vários brasileiros e leio nos jornais ingleses. E insignificantes pra quem? Para os quem tem um pouco mais de comida na mesa, trabalho, um eletrodoméstico novo? Não. Pra quem esperava mais e mais rápido do governo do PT imagino que sim. Mas quem olha de longe vê progresso. Aquele da bandeira.
A classe média, tão desiludida em toda parte, é a principal agente de mudança que nós conhecemos. A classe média brasileira está acostumada a reclamar. E tem do que reclamar. Mas agora é hora de reconhecer que chegou a hora de também agir. E o primeiro passo é admitir que a carroça está andando.
No hemisfério-norte-rico é hora de rever desejos consumistas – para produzir menos lixo e desinflacionar o custo dos alimentos no mundo - além de reconhecer a extensão da própria alienação social. No hemisfério-sul-classe-média é hora de aprender a respeitar filas, cumprir regras - mesmo as da burocracia, não beber quando vai dirigir, não dirigir no acostamento, não pedir para a empregada fazer mais do que foi combinado no primeiro dia, não agir como se falar português bem ou ter pele quase branca desse crédito para sequer pensamentos de superioridade. E ensinar isso aos filhos. Com gestos. E boa sorte. Pra nós todos.
Sim, política no Brasil é um assunto dolorido. Corrupção ainda corrompe o dia-a-dia, desnutrição e falta de educação ainda resultam em desespero e violência. Mas o Brasil levou as Olimpíadas por um boa razão. Alguém lá em cima gosta da gente. Não, não o ser-supremo e brasileiro. Os (até agora) todo-poderosos governos europeus e estadunidense (palavrinha horrorosa). Eles querem ser nossos amigos. Tem boas razões (sempre) econômicas pra isso.
No dia-a-dia brasileiro as mudanças são poucas e insignificantes? Mas existem, ouço da boca (virtual) de vários brasileiros e leio nos jornais ingleses. E insignificantes pra quem? Para os quem tem um pouco mais de comida na mesa, trabalho, um eletrodoméstico novo? Não. Pra quem esperava mais e mais rápido do governo do PT imagino que sim. Mas quem olha de longe vê progresso. Aquele da bandeira.
A classe média, tão desiludida em toda parte, é a principal agente de mudança que nós conhecemos. A classe média brasileira está acostumada a reclamar. E tem do que reclamar. Mas agora é hora de reconhecer que chegou a hora de também agir. E o primeiro passo é admitir que a carroça está andando.
No hemisfério-norte-rico é hora de rever desejos consumistas – para produzir menos lixo e desinflacionar o custo dos alimentos no mundo - além de reconhecer a extensão da própria alienação social. No hemisfério-sul-classe-média é hora de aprender a respeitar filas, cumprir regras - mesmo as da burocracia, não beber quando vai dirigir, não dirigir no acostamento, não pedir para a empregada fazer mais do que foi combinado no primeiro dia, não agir como se falar português bem ou ter pele quase branca desse crédito para sequer pensamentos de superioridade. E ensinar isso aos filhos. Com gestos. E boa sorte. Pra nós todos.
18 October 2009
Domingo
Poema que aconteceu
Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.
Carlos Drummond de Andrade
31/10/1902 - 17/08/1987
Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.
A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.
Carlos Drummond de Andrade
31/10/1902 - 17/08/1987
11 October 2009
07 October 2009
DIY
Do It Yourself. Faço. Mal. Isso aqui é a capital mundial do DIY. Vai além do preço da mão de obra. É parte da cultura.
Pintar o exterior da minha casa é um trabalho especializado o suficiente para eu poder contratar alguém pra fazer. Mas as letras não chegaram a tempo para que as meninas as colocassem na porta. Lá fui eu, de martelo e estopa em punho.
Pintar o exterior da minha casa é um trabalho especializado o suficiente para eu poder contratar alguém pra fazer. Mas as letras não chegaram a tempo para que as meninas as colocassem na porta. Lá fui eu, de martelo e estopa em punho.
Mesmo que eu estivesse disposta a pagar um ser humano pra fazê-lo, não existe chamar alguém pra fazer o que você pode fazer por conta própria. Em três minutos.
O O ficou muito perto do olho mágico e o N um pouquinho torto. Suficiente pra não ficar perfeito. Like everything I do it myself.
03 October 2009
Chronos
Aos seis anos aprendi a ler e escrever; aos onze perdi meu padrasto; aos doze a Magdalena; aos quatorze descobri os homens; aos quinze a maconha; aos dezesseis trabalho; aos dezoito a fotografia; aos vinte e um conheci o amor eterno; aos vinte e dois o hedonismo; aos vinte e três o mundo; aos vinte e sete tive meu coração partido; aos trinta conheci a maternidade e com ela a culpa máxima; e então o amor no mundo real; aos trinta e três descobri a sociologia; aos trinta e quatro perdi meu pai; aos trinta e cinco descobri o vinho tinto; aos (quase) trinta e sete aprendi a me sentir confortável dentro da minha própria pele.
27 September 2009
20 September 2009
From a tiny book called House and Home II:
"The fellow that owns his own home is always just coming out of a hardware store."
Frank McKinney Hubbard
Frank McKinney Hubbard
13 September 2009
Conforto
Na Inglaterra a vida é tranquila. Não existe tensão social (quase). O serviço público de saúde é exemplar. Acreditem em mim, não na Sarah Palin. O governo é liberal e se vive (ou pelo menos se tenta desesperadamente) de acordo com os princípios do secularismo. Liberdade de expressão é a norma. Londres é, arguably, a cidade mais cosmopolita do mundo.
Recentemente acusei - em English Maths - os ingleses de atitudes-com-raízes-em-imperialismo-e-racismo. Recebi uma tormenta - se não em números em intensidade - de comentários escritos e verbais. De ingleses honorários ou oficiais. Não é racista o mundo ocidental inteiro? Os brasileiros realmente acreditam que não são racistas, mas apenas(!) classistas? Se fosse verdade, seria isso realmente algo do qual se orgulhar?
É fácil viver aqui e reclamar da falta de sol. Todo o mundo faz isso, começando com os ingleses. É fácil viver no Brasil e reclamar da violência. Todo o mundo faz isso, começando com os brasileiros.
É fácil viver na Inglaterra, ser estrangeira, brasileira, cool e olhar os outros de cima e pensar: de onde eu venho nós temos sol, calor, calor humano, a comida é maravilhosa. As pessoas são espontâneas e lindas. A medicina é incrível (deixemos de fora o por-que-eu-posso, claro) e a alegria impera.
É fácil ir ao Brasil, ser estrangeira - ou pelo menos estranha - moradora da Inglaterra, chique, olhar os outros de cima e pensar: eu vivo em um país civilizado, sem violência nas ruas, onde eu posso comprar uma calça jeans bem cortada sem a implicação moral de gastar o correspondente a três meses de salário de alguém que mora não muito longe. Aí é só vestir a tal calça e me incluir no grupo de gente linda, talentosa e bem sucedida que adora saber que eu fiz um mestrado em Londres. Posso mencionar Bordieu, discutir Sontag e fingir que sei algo de Foucault. E no meio do caminho admitir que não faço idéia quem foi Cummings e nunca li Platão. Ou Freud.
O problema é que sempre chega a hora em que percebo que ser estrangeira envolve perda ou confusão de identidade. E que, nem tão no fundo, eu adoraria ter uma empregada - e - uma diarista. Que a tal calça bem cortada não garante estilo em lugar nenhum do mundo. Que os móveis da Ikea (que lotam minha casa) foram, potencialmente, feitos por trabalhadores explorados em alguma parte do mundo. Eles só moram mais longe. Que racismo, miséria e injustiça existem em todos os lugares e minha atitude perante o mundo é ingênua e egoísta.
A verdade é que sinto falta de médicos especialistas a disposição de um toque no telefone. Que aprendi a comer bem aqui. Que nunca vou manter uma discussão de igual pra igual com meus amigos intelectuais. Que não tenho disciplina para me manter linda como as brasileiras no Brasil fazem. E que ao mesmo tempo nunca vou me permitir orgulho de quaisquer imperfeições do meu corpo, que na era do Photoshop, são infindas. Nem lá nem aqui é decididamente um lugar confortável.
Recentemente acusei - em English Maths - os ingleses de atitudes-com-raízes-em-imperialismo-e-racismo. Recebi uma tormenta - se não em números em intensidade - de comentários escritos e verbais. De ingleses honorários ou oficiais. Não é racista o mundo ocidental inteiro? Os brasileiros realmente acreditam que não são racistas, mas apenas(!) classistas? Se fosse verdade, seria isso realmente algo do qual se orgulhar?
É fácil viver aqui e reclamar da falta de sol. Todo o mundo faz isso, começando com os ingleses. É fácil viver no Brasil e reclamar da violência. Todo o mundo faz isso, começando com os brasileiros.
É fácil viver na Inglaterra, ser estrangeira, brasileira, cool e olhar os outros de cima e pensar: de onde eu venho nós temos sol, calor, calor humano, a comida é maravilhosa. As pessoas são espontâneas e lindas. A medicina é incrível (deixemos de fora o por-que-eu-posso, claro) e a alegria impera.
É fácil ir ao Brasil, ser estrangeira - ou pelo menos estranha - moradora da Inglaterra, chique, olhar os outros de cima e pensar: eu vivo em um país civilizado, sem violência nas ruas, onde eu posso comprar uma calça jeans bem cortada sem a implicação moral de gastar o correspondente a três meses de salário de alguém que mora não muito longe. Aí é só vestir a tal calça e me incluir no grupo de gente linda, talentosa e bem sucedida que adora saber que eu fiz um mestrado em Londres. Posso mencionar Bordieu, discutir Sontag e fingir que sei algo de Foucault. E no meio do caminho admitir que não faço idéia quem foi Cummings e nunca li Platão. Ou Freud.
O problema é que sempre chega a hora em que percebo que ser estrangeira envolve perda ou confusão de identidade. E que, nem tão no fundo, eu adoraria ter uma empregada - e - uma diarista. Que a tal calça bem cortada não garante estilo em lugar nenhum do mundo. Que os móveis da Ikea (que lotam minha casa) foram, potencialmente, feitos por trabalhadores explorados em alguma parte do mundo. Eles só moram mais longe. Que racismo, miséria e injustiça existem em todos os lugares e minha atitude perante o mundo é ingênua e egoísta.
A verdade é que sinto falta de médicos especialistas a disposição de um toque no telefone. Que aprendi a comer bem aqui. Que nunca vou manter uma discussão de igual pra igual com meus amigos intelectuais. Que não tenho disciplina para me manter linda como as brasileiras no Brasil fazem. E que ao mesmo tempo nunca vou me permitir orgulho de quaisquer imperfeições do meu corpo, que na era do Photoshop, são infindas. Nem lá nem aqui é decididamente um lugar confortável.
06 September 2009
Gente Grande
Segunda-feira começam as aulas da Lea. Segunda-feira, antes das dez tenho que estar na Rox. Ao meio dia no St John Hospice, no norte de Londres. Ainda não tenho um gravador. A tarde o Ben vem brincar. A janela do quarto tem que ser consertada. Marido trabalhando no país de Gales. Volta na sexta. Ou na quinta. Na terça tenho que sair de casa as sete e meia da manhã, mas ainda não sei pra onde. Um trem sai de Marylebone as nove e vinte. Na quarta volto a Londres, por quatro horas. A Lea vai brincar na Ella. Minha quinta ainda não foi confirmada - mas a Talia vem brincar. Troca a data da acupuntura. Sexta talvez tenha festa de aniversário de adulto, a noite. Sábado, domingo e nova segunda-feira em Londres. Na terça o marido vai para Los Angeles. Eu, de volta a Londres para o sábado e domingo trabalhando. Domingo tem festa de aniversário de criança. Prometi fazer o bolo. Esqueci. Desculpa. Toca o telefone de novo. Talvez não trabalhe no fim de semana. Talvez possa fazer o bolo afinal. Mando um texto na sexta. Na quarta tem workshop no Fabrica. Tinha esquecido.
31 August 2009
Ilhada
Os dias escorrem pelos dedos. Dos pés. Enquanto não encontro tempo para muito dentro do maravilhoso mundo do Facebook, os links oferecidos pelos amigos são os melhores de há muito. No jornal estão as mais interessantes matérias dos últimos dias, semanas, meses - as acumulo na mesa da sala. A grama da vizinha fica cada dia mais verde. Ela não tem galinhas. Nem eu.
A consciência destas impressões me catapultaram à outra: começo a gostar (cada vez mais) da minha casa, de Brighton, de Londres, da Inglaterra e de seus valores. Comprei passagem para ir visitar o Brasil. Prometi a mim e a muitos ir olhar de perto. Na hora de sair do limbo percebo que ele é um lugar confortável.
A consciência destas impressões me catapultaram à outra: começo a gostar (cada vez mais) da minha casa, de Brighton, de Londres, da Inglaterra e de seus valores. Comprei passagem para ir visitar o Brasil. Prometi a mim e a muitos ir olhar de perto. Na hora de sair do limbo percebo que ele é um lugar confortável.
25 August 2009
24 August 2009
Aniversário
Se perguntarem
digam que sim,
fumei meus dias.
JORFerlauto
11/07/1951 – 24/08/2007
O canceriano morreu de câncer. Cresceu e viveu Dedé, mas nos últimos anos adotou o nome de batismo: José Otávio. Assim morreu. José Otávio, poeta, jornalista, cronista. Meu pai.
Fumou todos os dias, dos 16 aos 56 anos. Não bebia. O matou um câncer no fígado - os pulmões intactos. Nos últimos dias o cigarro requeria muito esforço para manter na boca. Alguns eu mesma segurei para que ele pudesse fumar.
Os filhos todos vieram para perto. Um luxo, disse ele, com um sorriso fraquinho. Meu irmão e eu nos atiramos da Inglaterra para o Brasil para estar lá. Por ele e por nós mesmos. Somos quatro - ex-fumantes, não fumante e fumante. Todos fumávamos naqueles dias de companhia e vigília. Em homenagem. E desespero.
23 August 2009
17 August 2009
14 August 2009
What do you do?
Há anos odeio o momento em que vem a pergunta: so, what do you do? Mmm... I am a photographer... and I'm doing an internship as a researcher... sociology. And I work as a Photoshop retoucher. What? I retouch images in Photoshop. Yeah... and I write a blog. And I’m a mum and a housewife. A esta altura da hierarquia das minhas atividades quem perguntou já foi buscar outro copo de vinho.
Pra quem leu até aqui pode parecer bastante, mas esse bastante não se traduz em uma carreira, nem em um salário regular e consequentemente não tem influência sobre a minha auto-estima.
Outro dia uma amiga me perguntou, na cara - do Skype: quando você vai voltar a trabalhar como fotógrafa? Errr... eu nunca parei... parou sim, você retoca imagens em Photoshop! Que digo eu? O critério é esse? O que paga as contas? Nunca paguei as contas como fotógrafa.
Já comprei roupas, livros, viagens e jantares, mas nunca paguei as contas. Mesmo antes de ser mãe, e me perder de vez no mundo-ocidental-profissional, o que pagava as contas era o Photoshop. E antes disso o marido. E depois disso o outro marido.
Esses dias ensaio desenvolver meu próprio trabalho, fotografando e escrevendo, traduzindo – enquanto não consigo cuspir ou vomitar - meus sentimentos. Um dia responderei: I’m an artist – ou - I’m a housewife. O efeito é parecido e dá pra dizer em um só suspiro.
Pra quem leu até aqui pode parecer bastante, mas esse bastante não se traduz em uma carreira, nem em um salário regular e consequentemente não tem influência sobre a minha auto-estima.
Outro dia uma amiga me perguntou, na cara - do Skype: quando você vai voltar a trabalhar como fotógrafa? Errr... eu nunca parei... parou sim, você retoca imagens em Photoshop! Que digo eu? O critério é esse? O que paga as contas? Nunca paguei as contas como fotógrafa.
Já comprei roupas, livros, viagens e jantares, mas nunca paguei as contas. Mesmo antes de ser mãe, e me perder de vez no mundo-ocidental-profissional, o que pagava as contas era o Photoshop. E antes disso o marido. E depois disso o outro marido.
Esses dias ensaio desenvolver meu próprio trabalho, fotografando e escrevendo, traduzindo – enquanto não consigo cuspir ou vomitar - meus sentimentos. Um dia responderei: I’m an artist – ou - I’m a housewife. O efeito é parecido e dá pra dizer em um só suspiro.
04 August 2009
31 July 2009
Piauí
Meu pai morreu e com ele se foi a Piauí. Ele as enviava pelo correio. Ou juntava uma pilha e esperava eu ir buscar. A última eu recolhi, toda orgulhosa – nós somos quatro filhos, mas as Piauí eram guardadas pra mim – em julho de 2007. Em agosto ele morreu. E eu voltei pra Inglaterra. Saboreio, aos poucos, as revistas que me restam. Na esperança que chegue uma nova pelo correio antes que eu acabe de ler todas.
29 July 2009
British Maths
I am half Brazilian, half Norwegian and whole English. Me diz Lea, minha filha, nascida na Inglaterra, de pai norueguês. Nascer na inglaterra não é o suficiente pra ter direito a passaporte britânico – é preciso provar que os pais estiveram aqui por mais de dois anos. Isso seria simples, mas os noruegueses só aceitam multiplas nacionalidades se as outras forem ‘automáticas’. Eu quero que minha filha seja brasileira (e italiana) como eu. Automaticamente. O pai dela quer que ela tenha nacionalidade norueguesa. Assim foi feito.
No dia-a-dia minha filha se torna cada dia mais inglesa, mas aos olhos dos ingleses ela sempre vai ser metade brasileira, metade norueguesa. Por muito tempo este conceito me intrigou e incomodou. Que direito tem eles de dizer que essa pequena inglesa com quem convivo não vai ser aceita como tal?
Depois de 10 anos nesta ilha - onde me sinto cada vez mais estrangeira - percebo que as referências e os valores que ensinamos a nossa filha são inevitavelmente conectados aos nossos, ao Brasil e a Noruega. Sem falar nas férias, que nos últimos 6 anos foram invariavelmente passadas nos dois países.
Mas o problema segue. As perguntas também. Não aceitar filhos de imigrantes como ingleses tem raízes em racismo e imperialismo. Se eu ficar aqui talvez um dia minha filha escolha jurar fidelidade a rainha (ou, entre a cruz e a espada, a bíblia) e se converta ao britanismo, adquirindo um passaporte que confirme esta escolha. Por enquanto, a convicção de que uma metade brasileira e outra metade norueguesa resultam em totalidade inglesa me faz sorrir e, confesso, acho difícil discordar.
No dia-a-dia minha filha se torna cada dia mais inglesa, mas aos olhos dos ingleses ela sempre vai ser metade brasileira, metade norueguesa. Por muito tempo este conceito me intrigou e incomodou. Que direito tem eles de dizer que essa pequena inglesa com quem convivo não vai ser aceita como tal?
Depois de 10 anos nesta ilha - onde me sinto cada vez mais estrangeira - percebo que as referências e os valores que ensinamos a nossa filha são inevitavelmente conectados aos nossos, ao Brasil e a Noruega. Sem falar nas férias, que nos últimos 6 anos foram invariavelmente passadas nos dois países.
Mas o problema segue. As perguntas também. Não aceitar filhos de imigrantes como ingleses tem raízes em racismo e imperialismo. Se eu ficar aqui talvez um dia minha filha escolha jurar fidelidade a rainha (ou, entre a cruz e a espada, a bíblia) e se converta ao britanismo, adquirindo um passaporte que confirme esta escolha. Por enquanto, a convicção de que uma metade brasileira e outra metade norueguesa resultam em totalidade inglesa me faz sorrir e, confesso, acho difícil discordar.
22 July 2009
And now what?
O texto me foi enviado por e-mail, publicado originalmente na Folha de São Paulo, escrito por um português, sobre uma muito discutida parte da realidade britânica. Aqui reproduzo uma de:
Três reflexões sobre as crianças
No Reino Unido das liberdades individuais, todos serão pedófilos, até prova em contrário.
Existem adultos que sentem atração problemática por crianças. Pedófilos, eis o termo. Pessoalmente, a minha tara é a inversa. Eu sinto medo delas. Vejo uma criança por perto e sinto um impulso imediato de saltar pela janela. Não sei se existe termo clínico apropriado para descrever a minha condição. Pedofobia serve?
Se não serve, desconfio que vai servir em breve. Sobretudo se o governo de Gordon Brown, no Reino Unido, não repensar a sua última insanidade.
A questão é a seguinte: a pedofilia existe no país em números alarmantes? Então a solução que o governo trabalhista arranjou foi obrigar todos os adultos que trabalham com crianças a passar por exame criminal prévio. Professores, técnicos de saúde e até escritores de literatura infantil que regularmente visitam escolas terão de pagar 64 libras para serem checados com precisão policial. Uma vez aprovados pelo Big Brother da pedofilia, terão direito a documento onde será expressamente declarado que eles não sonham com a Shirley Temple.
Uma inovação, sem dúvida. A "presunção de inocência", figura jurídica que estrutura os Estados de Direito ocidentais, determina que todos os indivíduos são inocentes, até prova em contrário.
O Reino Unido, pátria imortal das liberdades individuais, pretende reverter o princípio. Todos serão pedófilos, até prova em contrário. Eu avisei. Saltar pela janela é a solução.
JOÃO PEREIRA COUTINHO
Três reflexões sobre as crianças
No Reino Unido das liberdades individuais, todos serão pedófilos, até prova em contrário.
Existem adultos que sentem atração problemática por crianças. Pedófilos, eis o termo. Pessoalmente, a minha tara é a inversa. Eu sinto medo delas. Vejo uma criança por perto e sinto um impulso imediato de saltar pela janela. Não sei se existe termo clínico apropriado para descrever a minha condição. Pedofobia serve?
Se não serve, desconfio que vai servir em breve. Sobretudo se o governo de Gordon Brown, no Reino Unido, não repensar a sua última insanidade.
A questão é a seguinte: a pedofilia existe no país em números alarmantes? Então a solução que o governo trabalhista arranjou foi obrigar todos os adultos que trabalham com crianças a passar por exame criminal prévio. Professores, técnicos de saúde e até escritores de literatura infantil que regularmente visitam escolas terão de pagar 64 libras para serem checados com precisão policial. Uma vez aprovados pelo Big Brother da pedofilia, terão direito a documento onde será expressamente declarado que eles não sonham com a Shirley Temple.
Uma inovação, sem dúvida. A "presunção de inocência", figura jurídica que estrutura os Estados de Direito ocidentais, determina que todos os indivíduos são inocentes, até prova em contrário.
O Reino Unido, pátria imortal das liberdades individuais, pretende reverter o princípio. Todos serão pedófilos, até prova em contrário. Eu avisei. Saltar pela janela é a solução.
JOÃO PEREIRA COUTINHO
15 July 2009
O verão acabou.
O verão acabou. Há dias faz frio e chove. Nos prometeram um verão escaldante. Durou três semanas. Fica claro por que os ingleses são obcecados pelo tempo e a tal previsão dele. Hoje fiz porridge (mingau de aveia, mas porridge soa mais gostoso) para o café da manhã e comprei chocolates. E amaldiçoei os deuses.
Diz a lenda que o tempo aqui é desse jeito por causa das tantas maldições pronunciadas pelas mulheres queimadas na fogueira na época da Santa Inquisição. Com certeza uma versão mais contemporânea deve por a culpa na revolução industrial seguida de imperialismo desenfreado e desenvolvimento econômico irresponsável. Os vilões mudam. O frio e a chuva seguem. E o G8 jura que ainda dá tempo de adiar o fim do mundo.
Diz a lenda que o tempo aqui é desse jeito por causa das tantas maldições pronunciadas pelas mulheres queimadas na fogueira na época da Santa Inquisição. Com certeza uma versão mais contemporânea deve por a culpa na revolução industrial seguida de imperialismo desenfreado e desenvolvimento econômico irresponsável. Os vilões mudam. O frio e a chuva seguem. E o G8 jura que ainda dá tempo de adiar o fim do mundo.
13 July 2009
Canja, cama, Paracetamol e rua
Minha filha tem 6 anos, gripe e febre alta. Fiz canja com frango, noodles, cebola, amor e carinho. Ela está na minha cama, dentro de lençóis limpos, assistindo televisão. Tomou paracetamol em forma viscosa e cor de rosa.
Quando eu tinha 26 anos vim morar na Inglaterra. Pouco tempo depois que cheguei me encontrei com gripe e sozinha. Sem ninguém pra fazer canja, comprar paracetamol, trazer água da cozinha em um copo limpo. Foi um rito de passagem. Foi duro.
Não consigo deixar de pensar: o que passa pela cabeça de uma criança de rua, que aos 6 anos, se encontra doente, sozinha, sem canja, cama, paracetamol ou carinho? O que aprende essa criança neste rito de passagem? Certamente não é o primeiro nem o último.
As crianças de rua são meu pior pesadelo. São o símbolo do pior abandono pessoal e social. Da falta de perspectiva. Da injustiça dos deuses e dos homens. São parte da realidade do Brasil e delas me escondo na Inglaterra.
Quando eu tinha 26 anos vim morar na Inglaterra. Pouco tempo depois que cheguei me encontrei com gripe e sozinha. Sem ninguém pra fazer canja, comprar paracetamol, trazer água da cozinha em um copo limpo. Foi um rito de passagem. Foi duro.
Não consigo deixar de pensar: o que passa pela cabeça de uma criança de rua, que aos 6 anos, se encontra doente, sozinha, sem canja, cama, paracetamol ou carinho? O que aprende essa criança neste rito de passagem? Certamente não é o primeiro nem o último.
As crianças de rua são meu pior pesadelo. São o símbolo do pior abandono pessoal e social. Da falta de perspectiva. Da injustiça dos deuses e dos homens. São parte da realidade do Brasil e delas me escondo na Inglaterra.
11 July 2009
Ciclos da natureza
Ontem colhi meu primeiro tomate.
Hoje seria o aniversário do meu pai.
Ontem chorei abraçada na minha filha.
Hoje faz frio e chove.
Fora e dentro.
Hoje seria o aniversário do meu pai.
Ontem chorei abraçada na minha filha.
Hoje faz frio e chove.
Fora e dentro.
06 July 2009
From a tiny book called House and Home:
"Few tasks are more like the torture of Sisyphus than house work, with its endless repetition: the clean becomes soiled , the soiled is made clean, over and over, day after day."
Simone de Beauvoir
Simone de Beauvoir
03 July 2009
Ervas, legumes, frutas e flores
Tenho um jardim novo. O velho foi limpo, a terra foi revirada e muitas ervas foram plantadas. Alecrim, louro, orégano, cebolinha e outras tantas que não sei o nome em português (!). E morangos e abobrinhas. E alfazema e girassóis. Presente do Ricardo da Silva. Mineiro arretado que estava de visita e um dia acordou com vontade de arrumar meu quintal.
Ontem a noite, seguindo instruções, reguei todos os canteiros com cuidado. No final me dei conta que a pobre grama, que já tem data marcada para sua execução (vou colocar pedrinhas no lugar dela) estava sedenta. Faz um calor tropical por aqui esses dias - glória a todos os deuses nas alturas e nas profundezas!
Reguei a grama e fiquei pensando no meu pai - ele faz falta. Lembrava de quando morava em Londres, em um apartamento com uma muito pequena, porém muito valorizada sacada. Um dia ele, que andava por aqui, veio da cozinha com uma panela cheia de água para molhar as plantas do minísculo canteiro, na tal minúscula sacada. Pai, isso é tudo erva daninha, eu vou arrancar e plantar umas flores. Enquanto tu não plantares, essas estão aqui e estão vivas. E despejou o conteúdo da panela.
Ontem a noite, seguindo instruções, reguei todos os canteiros com cuidado. No final me dei conta que a pobre grama, que já tem data marcada para sua execução (vou colocar pedrinhas no lugar dela) estava sedenta. Faz um calor tropical por aqui esses dias - glória a todos os deuses nas alturas e nas profundezas!
Reguei a grama e fiquei pensando no meu pai - ele faz falta. Lembrava de quando morava em Londres, em um apartamento com uma muito pequena, porém muito valorizada sacada. Um dia ele, que andava por aqui, veio da cozinha com uma panela cheia de água para molhar as plantas do minísculo canteiro, na tal minúscula sacada. Pai, isso é tudo erva daninha, eu vou arrancar e plantar umas flores. Enquanto tu não plantares, essas estão aqui e estão vivas. E despejou o conteúdo da panela.
30 June 2009
13/8/82
esmurram Beirute
como quem bate num homem
na delegacia de furtos e roubos
44 mil bombas ontem
e não encontraram a cara
de quem queriam atingir
caras que brotam
entre beijos e escombros
agradecendo à vida a vida
aguardando o retorno
dos bombardeiros
nos céus do Líbano
silenciam e esvaziam
Beirute
aqueles que sobreviveram
ao holocausto
José Otávio da Rosa Ferlauto
E agora Honduras. Venezuela ensaiando. E segue o Afeganistão. E o Iraque. E para sempre os árabes e os judeus... com o consentimento dos cristãos... e perdão pelo meu eufemismo. E os homens matam uns aos outros em nome de ideologias, poder e religião. Alguma vez valeu a pena?
como quem bate num homem
na delegacia de furtos e roubos
44 mil bombas ontem
e não encontraram a cara
de quem queriam atingir
caras que brotam
entre beijos e escombros
agradecendo à vida a vida
aguardando o retorno
dos bombardeiros
nos céus do Líbano
silenciam e esvaziam
Beirute
aqueles que sobreviveram
ao holocausto
José Otávio da Rosa Ferlauto
E agora Honduras. Venezuela ensaiando. E segue o Afeganistão. E o Iraque. E para sempre os árabes e os judeus... com o consentimento dos cristãos... e perdão pelo meu eufemismo. E os homens matam uns aos outros em nome de ideologias, poder e religião. Alguma vez valeu a pena?
26 June 2009
Encanadores, pedreiros, instaladores de tv a cabo e pintoras de parede.
Existe uma lenda urbana, propagada principalmente por filmes americanos, de que os homens que vem consertar ou instalar, pintar ou demolir nossas casas e seus equipamentos são musculosos (na medida!), atraentes e interessantes. Tendo morado no Brasil pelos primeiros 26 anos da minha vida, nunca entendi bem de onde saiu essa idéia.
Uma vez em um dia de verão, já moradora de Londres, ouvi alguém dizer Good morning! Não achei que fosse comigo, nas ruas de Londres ninguém se olha no olho, imagina dizer bom dia a um desconhecido. Era ele! O pedreiro! Lindo, jovem e educado. Ele disse bom dia de novo e sorriu. E tinha todos os dentes. Ainda meio estupefata desejei um bom dia ao belo e segui adiante.
Recentemente, agora moradora de Brighton, contratei duas meninas para pintarem minha casa do lado de fora. Fazia-se necessário. Nos vários dias em que elas trabalharam eu observei os homens passando na rua e olhando longamente para as moças. Principalmente os que passavam dentro de vans, famosamente dirigidas por encanadores, pedreiros, instaladores de tv a cabo e pintores de parede. Nem uma palavra era pronunciada. Os ingleses nem se quer tem uma palavra que corresponda a Gostosa!
Uma vez em um dia de verão, já moradora de Londres, ouvi alguém dizer Good morning! Não achei que fosse comigo, nas ruas de Londres ninguém se olha no olho, imagina dizer bom dia a um desconhecido. Era ele! O pedreiro! Lindo, jovem e educado. Ele disse bom dia de novo e sorriu. E tinha todos os dentes. Ainda meio estupefata desejei um bom dia ao belo e segui adiante.
Recentemente, agora moradora de Brighton, contratei duas meninas para pintarem minha casa do lado de fora. Fazia-se necessário. Nos vários dias em que elas trabalharam eu observei os homens passando na rua e olhando longamente para as moças. Principalmente os que passavam dentro de vans, famosamente dirigidas por encanadores, pedreiros, instaladores de tv a cabo e pintores de parede. Nem uma palavra era pronunciada. Os ingleses nem se quer tem uma palavra que corresponda a Gostosa!
25 June 2009
Direitos animais
Barack Obama matou uma mosca. Não sete. Uma. Virou notícia de primeira página. Okay, foi mesmo impressionante: http://www.youtube.com/watch?v=5rbUH_iVjYw.
No Guardian, meu jornal preferido que sempre me faz rir, Lucy Mangan, que sempre me faz rir, descreveu oito maneiras de matar uma mosca. A número um está aqui:
“(...)The Barack Obama method
Brush the buzzing irritant that is not Hilary away and try to continue with your task. When the fly persists, stop. Gather your thoughts and energies. Focus. Bring the fly to land on your left hand by sheer force of will. Fascinate the fly with your charm and charisma. As it gazes at you with its red compound eyes, raise your right hand and slap it down upon the enthralled insect. Sit back in silent acknowledgement of the fact that you are not just part-black, part-white, part-messiah but also part zen-freaking master. (...)”
Horas depois de ler o jornal, escutava eu a Radio Four (BBC – só falam, não tocam música - I am part nerd-freaking weird) quando o assunto entrou na programação. O locutor anunciou: Obama killed a fly... bladibla... e então chamou seu convidado, Professor de Filosofia da Universidade de Cambridge. Que fique claro: a palavra ‘Professor’ em inglês é título para o cargo mais prestigiado dentro do mundo acadêmico. Este senhor foi chamado para responder a seguinte pergunta: tudo bem em matar uma mosca? Sim, as moscas são parasitas e matá-las é instintivo. Moscas podem ser mortas sem maiores implicacões morais – foi a reposta. Não, eu não estou brincando.
Anos atrás meu marido trabalhou em um curta metragem na Espanha. Na volta ele montou um showreel (portfolio, mas de filmes) que incluia uma cena deste filme, em que uma senhora rabugenta vê uma barata andando em cima da mesa. Corta para ela levantando uma concha de sopa para matá-la. Perguntada minha opinião eu disse: sinto falta da parte em que a barata aparece morta. Problema. Eles haviam realmente matado a barata. Poderia causar polêmica. Tive que explicar: baratas não tem direito a vida! Os espanhóis da equipe se preocuparam com isso? Não. Claro que não! Onde tem baratas todo o mundo sabe disso! Até hoje não tenho certeza se o conceito foi completamente absorvido pelo norueguês com quem divido uma casa há oito anos, em uma cidade inglesa onde baratas não existem.
No Guardian, meu jornal preferido que sempre me faz rir, Lucy Mangan, que sempre me faz rir, descreveu oito maneiras de matar uma mosca. A número um está aqui:
“(...)The Barack Obama method
Brush the buzzing irritant that is not Hilary away and try to continue with your task. When the fly persists, stop. Gather your thoughts and energies. Focus. Bring the fly to land on your left hand by sheer force of will. Fascinate the fly with your charm and charisma. As it gazes at you with its red compound eyes, raise your right hand and slap it down upon the enthralled insect. Sit back in silent acknowledgement of the fact that you are not just part-black, part-white, part-messiah but also part zen-freaking master. (...)”
Horas depois de ler o jornal, escutava eu a Radio Four (BBC – só falam, não tocam música - I am part nerd-freaking weird) quando o assunto entrou na programação. O locutor anunciou: Obama killed a fly... bladibla... e então chamou seu convidado, Professor de Filosofia da Universidade de Cambridge. Que fique claro: a palavra ‘Professor’ em inglês é título para o cargo mais prestigiado dentro do mundo acadêmico. Este senhor foi chamado para responder a seguinte pergunta: tudo bem em matar uma mosca? Sim, as moscas são parasitas e matá-las é instintivo. Moscas podem ser mortas sem maiores implicacões morais – foi a reposta. Não, eu não estou brincando.
Anos atrás meu marido trabalhou em um curta metragem na Espanha. Na volta ele montou um showreel (portfolio, mas de filmes) que incluia uma cena deste filme, em que uma senhora rabugenta vê uma barata andando em cima da mesa. Corta para ela levantando uma concha de sopa para matá-la. Perguntada minha opinião eu disse: sinto falta da parte em que a barata aparece morta. Problema. Eles haviam realmente matado a barata. Poderia causar polêmica. Tive que explicar: baratas não tem direito a vida! Os espanhóis da equipe se preocuparam com isso? Não. Claro que não! Onde tem baratas todo o mundo sabe disso! Até hoje não tenho certeza se o conceito foi completamente absorvido pelo norueguês com quem divido uma casa há oito anos, em uma cidade inglesa onde baratas não existem.
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