31 July 2009

Piauí

Meu pai morreu e com ele se foi a Piauí. Ele as enviava pelo correio. Ou juntava uma pilha e esperava eu ir buscar. A última eu recolhi, toda orgulhosa – nós somos quatro filhos, mas as Piauí eram guardadas pra mim – em julho de 2007. Em agosto ele morreu. E eu voltei pra Inglaterra. Saboreio, aos poucos, as revistas que me restam. Na esperança que chegue uma nova pelo correio antes que eu acabe de ler todas.

29 July 2009

British Maths

I am half Brazilian, half Norwegian and whole English. Me diz Lea, minha filha, nascida na Inglaterra, de pai norueguês. Nascer na inglaterra não é o suficiente pra ter direito a passaporte britânico – é preciso provar que os pais estiveram aqui por mais de dois anos. Isso seria simples, mas os noruegueses só aceitam multiplas nacionalidades se as outras forem ‘automáticas’. Eu quero que minha filha seja brasileira (e italiana) como eu. Automaticamente. O pai dela quer que ela tenha nacionalidade norueguesa. Assim foi feito.

No dia-a-dia minha filha se torna cada dia mais inglesa, mas aos olhos dos ingleses ela sempre vai ser metade brasileira, metade norueguesa. Por muito tempo este conceito me intrigou e incomodou. Que direito tem eles de dizer que essa pequena inglesa com quem convivo não vai ser aceita como tal?

Depois de 10 anos nesta ilha - onde me sinto cada vez mais estrangeira - percebo que as referências e os valores que ensinamos a nossa filha são inevitavelmente conectados aos nossos, ao Brasil e a Noruega. Sem falar nas férias, que nos últimos 6 anos foram invariavelmente passadas nos dois países.

Mas o problema segue. As perguntas também. Não aceitar filhos de imigrantes como ingleses tem raízes em racismo e imperialismo. Se eu ficar aqui talvez um dia minha filha escolha jurar fidelidade a rainha (ou, entre a cruz e a espada, a bíblia) e se converta ao britanismo, adquirindo um passaporte que confirme esta escolha. Por enquanto, a convicção de que uma metade brasileira e outra metade norueguesa resultam em totalidade inglesa me faz sorrir e, confesso, acho difícil discordar.

22 July 2009

And now what?

O texto me foi enviado por e-mail, publicado originalmente na Folha de São Paulo, escrito por um português, sobre uma muito discutida parte da realidade britânica. Aqui reproduzo uma de:


Três reflexões sobre as crianças


No Reino Unido das liberdades individuais, todos serão pedófilos, até prova em contrário.

Existem adultos que sentem atração problemática por crianças. Pedófilos, eis o termo. Pessoalmente, a minha tara é a inversa. Eu sinto medo delas. Vejo uma criança por perto e sinto um impulso imediato de saltar pela janela. Não sei se existe termo clínico apropriado para descrever a minha condição. Pedofobia serve?
Se não serve, desconfio que vai servir em breve. Sobretudo se o governo de Gordon Brown, no Reino Unido, não repensar a sua última insanidade.

A questão é a seguinte: a pedofilia existe no país em números alarmantes? Então a solução que o governo trabalhista arranjou foi obrigar todos os adultos que trabalham com crianças a passar por exame criminal prévio. Professores, técnicos de saúde e até escritores de literatura infantil que regularmente visitam escolas terão de pagar 64 libras para serem checados com precisão policial. Uma vez aprovados pelo Big Brother da pedofilia, terão direito a documento onde será expressamente declarado que eles não sonham com a Shirley Temple.

Uma inovação, sem dúvida. A "presunção de inocência", figura jurídica que estrutura os Estados de Direito ocidentais, determina que todos os indivíduos são inocentes, até prova em contrário.
O Reino Unido, pátria imortal das liberdades individuais, pretende reverter o princípio. Todos serão pedófilos, até prova em contrário. Eu avisei. Saltar pela janela é a solução.

JOÃO PEREIRA COUTINHO

15 July 2009

O verão acabou.

O verão acabou. Há dias faz frio e chove. Nos prometeram um verão escaldante. Durou três semanas. Fica claro por que os ingleses são obcecados pelo tempo e a tal previsão dele. Hoje fiz porridge (mingau de aveia, mas porridge soa mais gostoso) para o café da manhã e comprei chocolates. E amaldiçoei os deuses.

Diz a lenda que o tempo aqui é desse jeito por causa das tantas maldições pronunciadas pelas mulheres queimadas na fogueira na época da Santa Inquisição. Com certeza uma versão mais contemporânea deve por a culpa na revolução industrial seguida de imperialismo desenfreado e desenvolvimento econômico irresponsável. Os vilões mudam. O frio e a chuva seguem. E o G8 jura que ainda dá tempo de adiar o fim do mundo.

13 July 2009

Canja, cama, Paracetamol e rua

Minha filha tem 6 anos, gripe e febre alta. Fiz canja com frango, noodles, cebola, amor e carinho. Ela está na minha cama, dentro de lençóis limpos, assistindo televisão. Tomou paracetamol em forma viscosa e cor de rosa.

Quando eu tinha 26 anos vim morar na Inglaterra. Pouco tempo depois que cheguei me encontrei com gripe e sozinha. Sem ninguém pra fazer canja, comprar paracetamol, trazer água da cozinha em um copo limpo. Foi um rito de passagem. Foi duro.

Não consigo deixar de pensar: o que passa pela cabeça de uma criança de rua, que aos 6 anos, se encontra doente, sozinha, sem canja, cama, paracetamol ou carinho? O que aprende essa criança neste rito de passagem? Certamente não é o primeiro nem o último.

As crianças de rua são meu pior pesadelo. São o símbolo do pior abandono pessoal e social. Da falta de perspectiva. Da injustiça dos deuses e dos homens. São parte da realidade do Brasil e delas me escondo na Inglaterra.

11 July 2009

Ciclos da natureza

Ontem colhi meu primeiro tomate.
Hoje seria o aniversário do meu pai.

Ontem chorei abraçada na minha filha.
Hoje faz frio e chove.
Fora e dentro.

06 July 2009

From a tiny book called House and Home:

"Few tasks are more like the torture of Sisyphus than house work, with its endless repetition: the clean becomes soiled , the soiled is made clean, over and over, day after day."

Simone de Beauvoir

03 July 2009

Ervas, legumes, frutas e flores

Tenho um jardim novo. O velho foi limpo, a terra foi revirada e muitas ervas foram plantadas. Alecrim, louro, orégano, cebolinha e outras tantas que não sei o nome em português (!). E morangos e abobrinhas. E alfazema e girassóis. Presente do Ricardo da Silva. Mineiro arretado que estava de visita e um dia acordou com vontade de arrumar meu quintal.

Ontem a noite, seguindo instruções, reguei todos os canteiros com cuidado. No final me dei conta que a pobre grama, que já tem data marcada para sua execução (vou colocar pedrinhas no lugar dela) estava sedenta. Faz um calor tropical por aqui esses dias - glória a todos os deuses nas alturas e nas profundezas!

Reguei a grama e fiquei pensando no meu pai - ele faz falta. Lembrava de quando morava em Londres, em um apartamento com uma muito pequena, porém muito valorizada sacada. Um dia ele, que andava por aqui, veio da cozinha com uma panela cheia de água para molhar as plantas do minísculo canteiro, na tal minúscula sacada. Pai, isso é tudo erva daninha, eu vou arrancar e plantar umas flores. Enquanto tu não plantares, essas estão aqui e estão vivas. E despejou o conteúdo da panela.