13 September 2009

Conforto

Na Inglaterra a vida é tranquila. Não existe tensão social (quase). O serviço público de saúde é exemplar. Acreditem em mim, não na Sarah Palin. O governo é liberal e se vive (ou pelo menos se tenta desesperadamente) de acordo com os princípios do secularismo. Liberdade de expressão é a norma. Londres é, arguably, a cidade mais cosmopolita do mundo.

Recentemente acusei - em English Maths - os ingleses de atitudes-com-raízes-em-imperialismo-e-racismo. Recebi uma tormenta - se não em números em intensidade - de comentários escritos e verbais. De ingleses honorários ou oficiais. Não é racista o mundo ocidental inteiro? Os brasileiros realmente acreditam que não são racistas, mas apenas(!) classistas? Se fosse verdade, seria isso realmente algo do qual se orgulhar?

É fácil viver aqui e reclamar da falta de sol. Todo o mundo faz isso, começando com os ingleses. É fácil viver no Brasil e reclamar da violência. Todo o mundo faz isso, começando com os brasileiros.

É fácil viver na Inglaterra, ser estrangeira, brasileira, cool e olhar os outros de cima e pensar: de onde eu venho nós temos sol, calor, calor humano, a comida é maravilhosa. As pessoas são espontâneas e lindas. A medicina é incrível (deixemos de fora o por-que-eu-posso, claro) e a alegria impera.

É fácil ir ao Brasil, ser estrangeira - ou pelo menos estranha - moradora da Inglaterra, chique, olhar os outros de cima e pensar: eu vivo em um país civilizado, sem violência nas ruas, onde eu posso comprar uma calça jeans bem cortada sem a implicação moral de gastar o correspondente a três meses de salário de alguém que mora não muito longe. Aí é só vestir a tal calça e me incluir no grupo de gente linda, talentosa e bem sucedida que adora saber que eu fiz um mestrado em Londres. Posso mencionar Bordieu, discutir Sontag e fingir que sei algo de Foucault. E no meio do caminho admitir que não faço idéia quem foi Cummings e nunca li Platão. Ou Freud.

O problema é que sempre chega a hora em que percebo que ser estrangeira envolve perda ou confusão de identidade. E que, nem tão no fundo, eu adoraria ter uma empregada - e - uma diarista. Que a tal calça bem cortada não garante estilo em lugar nenhum do mundo. Que os móveis da Ikea (que lotam minha casa) foram, potencialmente, feitos por trabalhadores explorados em alguma parte do mundo. Eles só moram mais longe. Que racismo, miséria e injustiça existem em todos os lugares e minha atitude perante o mundo é ingênua e egoísta.

A verdade é que sinto falta de médicos especialistas a disposição de um toque no telefone. Que aprendi a comer bem aqui. Que nunca vou manter uma discussão de igual pra igual com meus amigos intelectuais. Que não tenho disciplina para me manter linda como as brasileiras no Brasil fazem. E que ao mesmo tempo nunca vou me permitir orgulho de quaisquer imperfeições do meu corpo, que na era do Photoshop, são infindas. Nem lá nem aqui é decididamente um lugar confortável.

8 comments:

Alvaro Ayala said...

Ola Ananda
Mais um reencontro de um encontro muito antigo.
Convivemos bastante no inicio de 1988. Depois, nos vimos algumas vezes.
Em 91, vim morar em Pelotas para ser professor da UFPel (Física, lembra?). Acrescentei um doutorado em Física e alguns quilos à minha personalidade.
Faz alguns dias me dei conta que a Tereza, que eu conheço faz algum tempo e que é vizinha de porta do meu padrinho de casamento (Raul), é sua tia. Na festa de aniversário do Raul, eu e a Tereza falamos sobre você, seu pai e outras histórias. Achei seu blog. Fiquei com vontade de te mandar um presente, mas entendi que você está vindo para o Brasil. É verdade?
Fiquei com medo que você e o presente se desencontrassem...
Desculpe-me pela minha desinformação bloguifera, mas não achei seu endereço no blog.

Meu endereço é ayalafilho@gmail.com

Mande um sinal...

Bjs
Álvaro

Luz said...

wow,
gostei muito do texto.

i love you, te amo lá e aqui.
beijos.

Anonymous said...

Maravilhoso o texto A!Nossa que habilidade tu tens de expor em palavras todas estas sensacoes e confusoes!
Saudades e ate breve!
bjinhos
Marilia

dgdgd said...

adorei! best post ever. lendo e relendo. see u soon. :)

Clovis Heberle said...

Ananda,
de uma familia de emigrantes(da Alemanha para o Brasil, no século 19, e do Brasil para a Europa e Estados Unidos no século 20, entendo muito bem o teu dilema. Alguns dos meus irmãos se mandaram e acabaram perdendo as suas raízes. Nem pensam em voltar a viver no Brasil, pois aqui se sentem tão (ou mais) estrangeiros que na Espanha, nos States, no México.
Beijos
Clovis

saitica said...

Ananda
Cada vez mais fã dos teus textos, da leveza e da profundidade. Adoro teu estilo, dubiedades e certezas.
Stella - Saitica

Aqui Brasil com S said...

ahuhauhuhau!!! adorei esta complexidade de coisas que mesclam teu texto.
Pensei .. refleti, e lembrei!
A quanto tempo não vejo vc ?.. Amanda , aquela menina com quem gostava de conversar nas aulas de communicacão..
lendo este texto não pude deixar tb de me sentir estrangeira de lugar nenhum ,e continuo pensando que o melhor lugar do mundo é aqui e agora. Mas... que agora?

Anonymous said...

Sou estrangeiro na cidade onde nasci e nela vivo ainda hoje. Não tenho amigos intelectuais. Sei que muitos deles não dormem direito a noite, sentindo essa falta.
Tenho poucos móveis e alguns eu mesmo fiz. Ah! Mas tenho empregada doméstica. E isso... isso significa
que eu exploro alguém.
É fácil viver no Brasil é só não sonhar. Ou, sonhar, sonhar muito. Viu, tem até altermativa.
A calça bem cortada não serve mais.
Quando me olho no espelho vejo uma barriga, que não possuía em tempos passados. Saio de fininho. Penso na barriga. É o espelho. Não. Não é lá... é aqui.
Beijão, Ananda.
Adoro ler-te
Heitor