21 February 2011

A Europa segundo o Zeca Saraiva.

(Copiei, com a devida autorização, um e-mail que ele mandou para a minha mãe depois de passar por essas bandas. A foto é minha.)

Oi Paz, como anda a vida ai em Brighton? Minha passada por Londres foi relâmpago, seis noites, quatro museus e três noitadas em pubs; tentei um contato com a Ananda, mas ela não retornou, talvez não tenha chegado.

Achei os ingleses das ruas muito neuróticos, apressados, duros e sem afeto, mas sempre educados. Já nos pubs, sob a égide de Diunisius, são simpáticos e até comunicativos, até... mas, como povo, fico com os alemães, os holandeses e os húngaros; além dos irlandeses e espanhóis, é claro.

Nem todo o latino é simpático, os italianos são elegantes e irônicos; posso dizer que a marca registrada da Itália é a ironia. Imagina que em um restaurante o dono quis me testar, perguntando em que cálice ele deveria me servir a água; ele só não sabia que estava falando com o filho de Dona Alcina e irmão de Silvia Maria; eu senti a maldade e disse: no meu país nós sempre servimos a água no copo maior, aqui na Itália é diferente? Ele sorriu e me serviu a água, no copo maior, naturalmente. Assim são os italianos, sutilmente irônicos.

No entanto, ninguém é mais elegante do que eles; a Claudinha e eu ficamos tomando umas cervejas, abaixo de zero grau, num bar na calçada, ao lado da Fontana di Trevi, vendo o povo sair do trabalho, homens e mulheres, um verdadeiro desfile de moda, um show de elegância.

Adoramos Budapeste, preferi à Praga, as pessoas, os bares e a receptividade. Bologna também foi uma suspresa; Roma estava bombando, com belos dias frios, mas de céu azul e gente a dar com pau; mas a noite a cidade dorme ou nós não descobrimos onde ela baila.

Madrid é a cidade mas movida a la noche; não faltam bares abertos às cinco da manhã para se tomar uma saideira; estávamos no centro histórico, onde a cidade só pára quando o sol aparece. Claro que nos deitávamos no máximo a uma, porque quem faz dia, não consegue fazer a noite.

Quanto a sexo, drogas ou rock and roll, nada aconteceu, turista não tem tempo pra essas coisas, pra isso é preciso parar e nós estavamos sempre correndo. Mas se a viagem foi corrida, com muitos aeroportos, hotéis, não tivemos nenhum contratempo, além do tempo é claro.

Quero voltar na primavera... Ah! A grande novidade é que em julho será inaugurado um vôo direto Porto Alegre-Lisboa; já pensou? O Leonel, que nos encontrou em Madrid, disse que Lisboa está o máximo. Ele ficou dez dias lá. De fato, pra sentir uma cidade a gente tem que ficar, no mínimo, dez dias.

Ah, mesmo caminhando todos os dias, eu engordei seis quilos; embutidos no leste europeu e bacon em Londres, além daquelas cervejas maravilhosas... mas, já voltei pra academia e pros almoços no Equilibrium; ainda não suspendi de vez o álcool, porque eu não aprendi a fazer vida social nâo etílica; aos poucos o rigor pró-saúde vai se reinstalando, aos poucos... obsessivo ma non tropo.

Saudades, beijos pra todos e diz pra Ananda que em breve eu volto a Londres, que é uma cidade como Paris, pra se ficar um mês, no mínimo.

Hasta luego!

Abrazos
, Zeca

14 February 2011

Ambições

Quando eu tinha cinco anos eu sonhava em levar o sanduíche da merenda embrulhado em papel alumínio. Eu achava que ele já vinha daquele jeito, todo enrugado (meus sanduíches vinham embrulhados em guardanapos de pano).

Aos oito anos eu queria ser aeromoça. Na adolescência queria sair de casa. Durante os meus vinte anos eu queria fotografar, trabalhar muito e ganhar muito dinheiro – mas a verdade é que já tinha percebido que o que eu queria fazer em fotografia não combinava com orçamentos grandiosos.

Aos vinte e nove engravidei e minha principal ambição era ter um bebê saudável e inteligente. Aos trinta e oito sei que conquistei muitas coisas. Papel alumínio, minha própria casa, trabalho em fotografia sem orçamentos grandiosos, uma filha saudável e mais inteligente que eu.

Minhas ambições hoje são muito maiores: quero ter satisfação no que faço; quero mais vitamina D no corpo; mais tranquilidade; ficar casada com mesmo homem até que a morte nos separe. Que a minha filha possa crescer e fazer parte de um mundo (que vai estar lotado de qualquer jeito) com gente mais consciente de si e dos outros – e quero tudo isso vivendo em centros urbanos. Além de umas outras coisas que o dinheiro compra.

07 February 2011

Sobre o limbo

Brasileiros na Inglaterra são turistas, imigrantes econômicos ou sociais*. Há muito pertenço ao último grupo. Com orgulho típico de brasileira classe média. Na minha cabeça média minha vida no Brasil era muito mais confortável do que aqui.

Mas quando o assunto é economia, divisão de classes, violência e conforto material a idéia de que o Brasil está bombando e a Inglaterra afundando ainda está mais no Guardian e na The Economist do que no dia-a-dia.

Com a perspectiva de voltar me vi obrigada a me imaginar de volta em São Paulo. Todos os dias dormindo, acordando, trabalhando, comprando... e no Brasil há-se de comprar tudo – escola, médico, segurança...

Ontem, entre as prateleiras do Tesco - onde escolho o que quero sem olhar o preço - fiquei pensando na minha vida em Brighton. Na cidade pequena, na beira do mar, ao lado de Londres. Adoro minha casinha vitoriana, meu carrinho coreano, minha vida confortável de classe média inglesa. Mas isso foi ontem. Em outros dias odeio o frio, a falta de sol, a solidão da minha casa e da minha vida de estrangeira.

A sensação de não estar nem lá nem aqui saiu disso e continua nisso. E hoje minha tranquilidade-e-conforto-materiais pesam nas minhas decisões tanto quanto os outros fatores da interminável lista que me puxa de volta à Terra Brasilis. O limbo é essa necessidade amedrontada de deixar pra trás o que eu conheço e me atirar em um mundo novo, que deveria ser home, mas não é mais.

*essa classificação é geral e simplificada, para determinar o contexto sem comprometer a cadência do texto. A sociológa dentro de mim e a antropóloga Ana Paula Figueiredo não permitiriam esse desleixo na exatidão da informação.